PRECONCEITO MUSICAL DO BRASILEIRO
Durval Carvalhal Impressionante o nível de preconceito musical do brasileiro. Quando eu estudava música na Universidade Católica de Salvador, fui comprar dois discos. Pedi a quinta sinfonia de Beethoven e não aconteceu nada; mas, quando pedi um disco de Waldick Soriano, três moçoilas me olharam tão agressivamente, que pensei que ia apanhar.
Certa vez, no teatro Vila Velha, Gilberto Gil pegou o violão e cantou Mensageiro de Waldick e o teatro quase desabou de tanta euforia do público. Maria Bethânia gravou “É o amor” de Zezé Di Camargo e Luciano e foi aquele sucesso. Como se pode observar, o preconceito é contra o cantor e não contra a música. Egberto Gismonti disse uma coisa bem interessante: “Música é pra se ouvir e viajar”. A música é uma só; é uma arte subdividida em gêneros: música erudita e música popular. Aqui, entra a teoria do gosto, que é indiscutível. Uma grande confusão é formada quando se analisa uma letra de música como poesia. Pode ser ou não. Massoud Moisés, em Criação Literária, define: “A poesia será entendida como a expressão do eu por meio de metáforas [...] a poesia se compõe de atmosfera localizada no espaço do poema [...] a natureza da poesia é sugerir, evocar, descrever, ou projetar emoções, sentimentos, conceitos a um só tempo”. Já em Introdução à Poesia, Johanes Pfeiffer esclarece que “aquilo que importa na poesia é a imagem cheia de acontecimentos prenhe de vibrações [...] O essencial da poesia, na medida em que ela é massa de som, reside na sua massa de sentido [...] estado de ânimo de uma pessoa que se manifesta diretamente em ritmo e melodia”. No caso da música “Ai, seu eu te pego”, deparamo-nos com uma poesia e bela música. Não é à-toa que virou sucesso no mundo inteiro. A letra é riquíssima de ritmo e imagem, como em Castro Alves: “Boa noite, Maria! Eu vou-me embora. A lua nas janelas bate em cheio... Boa noite, Maria! É tarde... é tarde... Não me apertes assim contra teu seio [...]”. A letra cantada por Michel Teló destaca o conflito de um baladeiro apaixonado por uma princesa noturna. É o eu lírico sem peias e sem estorvos diante da “Bela da Noite”. Mas, o eu lírico se contém, resigna-se e lamenta-se com a possibilidade que não se concretizou. Por outro lado, a melodia é saborosíssima, sendo cantada e dançada até por jogadores de futebol em plena atividade, tal a sua profundidade lúdica. É uma melodia assentada em duas grandes levadas: do reggae e do forró. Uma delícia pra quem gosta de violão; é cheia de breques ou convenções, o que adorna e enriquece a harmonia e o andamento da canção, ora lento, ora rápido, conferindo-lhe mais ludicidade e embevecimento da alma. Essa canção de dois compositores baianos, Sharon Acioly e Antônio Dyggs, foi gravada também pela banda Cangaia de Jegue, com arranjo e interpretação magistrais. Enfim, ótimo trabalho, afinal de contas, “A arte é expressão do Belo e da Verdade”. Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 28/03/2012
Alterado em 23/07/2014 |