O SUFOCO DO POETA
Durval Carvalhal Cícero, no meu livro "Um Pouco de Prosa" tem uma enorme crônica, O SUFOCO DO POETA, originada no Hotel Pestana, que, antes, se chamava Hotel Meridien. Foi vendido a um grupo português que o redenominou de Hotel Pestana. No início, o Meridien era a grande novidade, muito luxuoso. Eu fui a alguns eventos, como o que eu falo no livro: "Certa vez, o nosso poeta combinara com uns amigos para mais um vernissage. Dessa vez, não era no centro da cidade; não era no ACBEU; não era na CANIZARES; não era no foyer do TCA... Mas, sim no pomposo e internacional MERIDIEN [...] Olhou para o monstro arquitetônico, encheu o peito de ar e decidiu ir sozinho para a exposição de um artista uruguaio. Na porta do hotel, tomou logo o primeiro susto de uma série, pois antes de tocá-la ela se abriu para sua corajosa passagem. Naquela época, não havia porta automática por aqui e era natural que uma pessoa se espantasse com a novidade [...] Depois de algum tempo, ele entrou e a porta da mesma forma que se abriu, também se fechou. Agora, sim, estava engaiolado [...] A cada passo, via um compartimento novo até que se convenceu de que não mais saberia sair. [...] e não fez outra coisa, senão caminhar, até que, mais adiante, avistou um luxuoso salão repleto de quadros, garçons que pareciam príncipes, de gentes de várias terras, falando idiomas diversos, numa confusão sonora, que mais parecia uma orquestra com músicos bêbados tocando instrumentos desafinados. O poeta ficou ao mesmo tempo quieto e apavorado, porque a festa era estranha na forma e bonita no conteúdo.[...] Entrou no salão, tentou olhar os quadros, mas os olhos estavam turvos. Quis falar algo, mas não havia interlocutor. Estava só, desamparado em plena multidão. Quis andar um pouco, mas as pernas tremiam. Estava arrependido. Imaginou que, se tivesse ido para o QUINTAL, teria chope gelado, tira-gosto e boa companhia. Alguém pintaria com um violão, as musas chegariam, porque violão é um ímã que atrai principalmente as mulheres. [...]. Foi nessa crise de sensações que a borboleta noturna pousara na cabeça de Tolonho Denga, dando-lhe uma ideia magistral, que o tiraria do maior sufoco vivido por ele, em toda sua pastoragem noturna. Por um instante, ficou calado, pensativo e exclamou: Ah, já sei, vou tirar onda de turista. Vou falar com o garçom errado pra neguinho pensar que também sou estrangeiro nesta terra gostosa. Parou. Pensou. Repensou. Saiu do caminho para dois norte-americanos pedirem bebida. Olhou as pessoas com mais confiança. Invejou um francês que conversava alegre e em voz alta. Admirou as pernas redondas e avermelhadas de uma bela alemã. Encheu o peito de ar e partiu confiante para impressionar o garçom: (Com o indicador esquerdo, apontou para um vasilhame transparente que continha um líquido branco, parecendo leite e perguntou ao garçom: "batitida côcô"? Perguntou. [...]. Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 03/03/2020
Alterado em 05/05/2020 |